segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Justiça eleitoral de Porto Alegre proíbe uso de imagens e referências a terceiros não filiados na propaganda gratuita de rádio e TV

O juiz eleitoral da zona 112 em Porto Alegre decidiu, em sentença aos processos de números 2527 e 2472, que o uso de imagens de terceiros na propaganda eleitoral gratuita está vedado pelo art. 54 da Lei Eleitoral, que tem a seguinte redação.


Art. 54 Dos programas de rádio e televisão destinados à propaganda eleitoral gratuita de cada partido político ou coligação poderá participar, em apoio aos candidatos, qualquer cidadão não filiado a outro partido político ou a partido político integrante de outra coligação, sendo vedada a participação de qualquer pessoa mediante remuneração.


A decisão foi tomada inicialmente em processo movido pelo PSDB contra a candidatura de Manuela D'Ávila, do PCdoB, por uso de imagem do ex-Governador Olívio Dutra e, novamente,  em processo movido pela Frente Popular, por uso da imagem da Presidenta Dilma, associada a frase "vice-líder de Dilma".


O art. 54 da Lei Eleitoral é tradicionalmente visto pela doutrina como regra de proteção à fidelidade partidária (nestes sentido Joel Candido), na parte de proíbe participação de cidadão filiado a partido que integre outra coligação, e de controle ao abuso do poder econômico, nos casos em que envolve pagar pessoas para obter destas apoio formal. Em ambos os casos, como se percebe, a lei claramente evoca  restrições a participação física e ativa de pessoas.

O TSE já decidiu neste sentido, ao afirmar que "o art. 54 da Lei das Eleições refere-se à participação ativa, ou seja, aquela em que o cidadão comparece espontaneamente e compartilha o programa eleitoral para sustentar determinada candidatura, prestando apoio" (Recurso em representação nº 242.460 - Rel. Henrique Neves - j. 31.8.2010)


Para o magistrado, no entanto, o art. 54 da Lei Eleitoral também proíbe "o uso de imagem de pessoas filiadas a partido ou coligação diversos, com vista a criar vínculo que, artificial e subliminarmente, crie a percepção de apoio ou de participação a sua candidatura majoritária". E mais, a decisão ainda ampliou a restrição para o uso de frases "ou outra construção linguística que atinja o mesmo escopo de ligação, objetivando dar a ideia de apoio da pessoa da Presidenta da República à candidatura majoritária dos representados, sob pena de suspensão temporária de seu horário eleitoral gratuito, em caso de transgressão".

É surpreendente que a decisão tenha aberto a restrição para também vedar  "qualquer vínculo subliminar de percepção de apoio", estabelecendo verdadeira cláusula de controle judicial de conteúdo da propaganda eleitoral. Como o juiz responde apenas à sua íntima convicção, como poderá um candidato saber, de antemão, o que ele entenderá ser capaz de criar o suposto vínculo?

São várias as impropriedades cometidas pela interpretação judicial, a começar pelo fato de que a Constituição veda toda e qualquer forma de censura, ao teor do que prevê o art. 220 da Constituição Federal: "a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição". E é fácil perceber que o comando judicial cria hipótese de censura quando estabelece uma presunção absoluta de restrição de conteúdo, pois é impossível a qualquer das partes, diante da celeridade processual eleitoral, comprovar que o uso de imagem teria, ou não, efetiva capacidade para convencer eleitores de um vínculo artificial ou subliminar.

Dessa maneira, o resultado natural do comando judicial é o de restrição absoluta ao uso de qualquer  imagem ou recurso linguístico associado a filiados a outros partidos na propaganda eleitoral gratuita, envolva ela, ou não, manifestação de apoio, que não mais precisa estar expressa, pois basta para infringir a norma que o juiz dela esteja convicto (já que a configuração do ilícito não admite prova em contrário, por se tratar de prova impossível).

Assim é que, ao limitar o discurso eleitoral e político, a decisão implica verdadeira restrição ao fundamento constitucional da  liberdade de expressão e pensamento (art. 5º, IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo violado o anonimato) na qual funda-se todo o regramento sobre a propaganda eleitoral.


Depois, a decisão também não se sustenta sob o prisma lógico. É que a democracia brasileira é representativa e partidária, do que decorre a existência de partidos, coligações e coalizões políticas. É da natureza do sistema eleitora brasileiro a união esporádica de partidos e candidatos, que poderão estar novamente coligados nas eleições vindouras, se assim o desejarem, ou então disputarem em pólos opostos a mesma uma vaga eletiva. E como fica, neste caso, os feitos realizados conjuntamente? A quem eles pertencerão? Apenas ao mandatário eleito pela coligação desfeita, ou a todos os partidos da coligação ou coalizão, e os filiados que em equipe trabalharam para sua realização?

Parece bastante claro que a nova interpretação também faz pouco caso deste segundo dado da realidade, ao exigir que todos os louros e benesses da administração a que faziam parte até às eleições, a partir desta, somente ao administrador e seu partido possa agora aproveitar.

Estes e outros argumentos foram formulados em recurso, que aguar decisão da Corte Eleitoral Regional, momento propício e oportuno para se reafirmar as inspirações democráticas de nossa ordem: aguardemos!